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A História de Lírio

A Pressa, o Açúcar e a Casa que Não Mudou

Lírio vive contra o relógio. Sua rotina é uma maratona sem linha de chegada: dois empregos públicos, atendimentos particulares, manhãs que começam cedo demais e noites que terminam tarde demais. Ele é um homem que corre para garantir o futuro, mas que, nessa corrida, acabou deixando o próprio corpo para trás.

Há dois anos e meio, em dezembro de 2022, ele buscou na cirurgia bariátrica uma forma de frear a obesidade que o acompanhava desde a infância. Pesava 125 quilos. Com a intervenção, chegou aos 88. Parecia que o corpo finalmente obedeceria.

Mas a vida de Lírio foi atravessada por uma tempestade perfeita, daquelas que não aparecem nos exames pré-operatórios.

Logo após a cirurgia, no momento em que deveria estar se reconstruindo, Lírio sofreu violências pessoais traumáticas. A vulnerabilidade do corpo recém-operado colidiu com a brutalidade da vida. Ele mergulhou em uma depressão profunda. Durante um ano, a dor foi tanta que a própria existência pesou mais do que o corpo; ele pensou em desistir de tudo. Foi nesse período escuro, enquanto lutava apenas para continuar respirando, que o autocuidado se desfez. As vitaminas foram esquecidas, a rotina quebrou, e o peso começou a subir.

Cultura e Química

Hoje, com 10 quilos recuperados, Lírio não luta mais contra a depressão aguda — ele venceu essa batalha com terapia e psiquiatria —, mas luta contra uma "máquina" que ele mesmo ajuda a girar: a exaustão.

O reganho de peso de Lírio tem dois grandes cúmplices: a cultura e a química. A cultura mora dentro de casa. Vivendo com a mãe, ele está imerso em um ambiente onde a comida é afeto, mas também é gordura, massa e fritura. O cardápio da casa não mudou com a cirurgia dele. E, na rua, a pressa o empurra para restaurantes onde o óleo é onipresente e a variedade confunde a saciedade.

A química mora no cérebro ansioso. Lírio, ansioso desde menino, encontrou no açúcar o "alívio rápido" para os dias de estresse. O doce não é alimento, é um abraço químico. É a recompensa imediata para quem trabalha tanto e descansa tão pouco.

O Preço da Pressa

Além do peso, o corpo de Lírio cobra um preço alto e constrangedor. A combinação da cirurgia (bypass) com a ausência da vesícula transformou sua digestão em um campo minado. Ele convive com a urgência intestinal e o desconforto constante, situações que geram medo e vergonha no ambiente de trabalho e social. O corpo magro que ele almejava veio acompanhado de um funcionamento interno que exige uma disciplina que sua rotina caótica não permite ter.

"A bariátrica opera o estômago, mas não opera a rotina, não opera o trauma e, principalmente, não opera a casa onde vivemos."

Lírio sabe exatamente o que precisa fazer: levar marmitas, negar o doce, exercitar-se ao ar livre (pois odeia academias). A teoria está clara. O problema é a prática de quem não pode parar. Seu medo de perder o emprego, de ficar sem renda, o mantém trabalhando mesmo quando está doente, perpetuando o ciclo do estresse.

Hoje, o sonho de Lírio é a autonomia. Ele quer passar em um concurso melhor não apenas pelo dinheiro, mas para comprar o direito de ter tempo. Ele quer ter sua própria casa, sua própria geladeira, suas próprias regras. Ele aprendeu, da maneira mais difícil, que a sua luta agora é para que a mente, finalmente curada da depressão, consiga convencer o relógio a andar um pouco mais devagar.

Narrativa baseada em fatos reais.