A Estratégia de Engordar e o Dilema da Cerveja

A história de Flor-de-lótus com a obesidade tem um capítulo inicial que desafia o senso comum: ela não engordou apenas por "descontrole" ou genética, mas por uma estratégia deliberada de autodefesa.

Décadas atrás, presa em um casamento difícil do qual não conseguia sair por pressão familiar, ela desenhou um plano silencioso e desesperado: "Vou ficar gorda e feia para que ele me deixe". A comida, naquele momento, não era apenas nutrição ou prazer; era uma ferramenta para se tornar indesejável e, paradoxalmente, conquistar a liberdade através da rejeição. Ela engordou intencionalmente, e a ansiedade cimentou esse peso no corpo.

Anos se passaram, a vida mudou, mas o peso ficou. Com 105 quilos, diabetes e pressão alta, a cirurgia bariátrica surgiu como uma promessa de saúde. E, de fato, trouxe vitórias inegáveis: os remédios foram aposentados, a autoestima renasceu e, pela primeira vez, ela vestiu roupas que antes só admirava de longe.

A Solidão Acompanhada

Mas a cirurgia, que operou o estômago, trouxe também um efeito colateral socialmente devastador: o desconforto intestinal. Os gases e a urgência para ir ao banheiro tornaram-se fonte de constrangimento e conflito dentro de casa. Flor-de-lótus começou a se isolar, evitando a sala de TV com o marido, criando uma "solidão acompanhada" dentro do próprio lar.

E foi nesse isolamento que o reganho de peso encontrou uma nova porta de entrada: a cerveja.

Diferente da comida, que o estômago operado limita fisicamente, o álcool desce fácil. A cerveja virou companhia nas noites solitárias em casa e, ao mesmo tempo, o passaporte para socializar quando alguém a chama para sair. O consumo aumentou a ponto de assustar a própria Flor-de-lótus. Episódios de apagão ("blackout"), quedas no banheiro das quais ela não se lembra, acenderam um alerta vermelho de pânico.

O Dilema Cruel

Hoje, com 11 quilos recuperados, ela vive um dilema cruel. Ela ama a cerveja; descreve-a quase como uma paixão. Mas sabe que essa paixão está cobrando um preço alto: o retorno do peso, a ameaça de volta das doenças e, mais doloroso ainda, a sensação de "derrota". Ela se sente fracassada por ter passado por uma cirurgia invasiva e estar perdendo terreno novamente.

"A mulher que um dia engordou para se proteger, hoje engorda tentando se anestesiar e se conectar."

Flor-de-lótus luta contra uma dificuldade antiga de se posicionar, de dizer o que sente sem tremer por dentro. Ela busca voltar aos 70 quilos, mas sabe que, para isso, precisará enfrentar não só a balança, mas o silêncio que a cerveja tenta preencher.