A História de Girassol
A Balança Debaixo do Guarda-Roupa
Para Girassol, o reganho de peso não é um número exato brilhando em um visor digital. É uma sensação. É o tecido da calça que aperta um pouco mais na cintura, é o comentário solto de um parente no almoço de domingo, é um silêncio que ocupa a casa.
Ela vive uma experiência curiosa e profundamente humana: a recusa em transformar sua vida em matemática.
Há três anos, quando a balança marcava 130 quilos, Girassol fez um pacto com a saúde. A cirurgia bariátrica foi esse acordo de paz. O peso caiu para 80 quilos, a vida ficou mais leve, e o corpo parecia ter encontrado um novo eixo. Mas, como as marés e as estações, o corpo é vivo e oscila. Cerca de oito quilos retornaram. Não de uma vez, não com estrondo, mas naquele ritmo lento e cotidiano que ela resume com uma honestidade desconcertante: "Não sei... foi indo".
Esse "foi indo" de Girassol carrega a complexidade que a medicina muitas vezes tenta colocar em planilhas. Não foi um grande evento traumático, nem um abandono total. Foi a vida acontecendo. Foi a rotina se impondo, o estresse se acumulando, e a biologia lembrando que a obesidade é uma condição crônica, sempre à espreita.
A Cegueira Voluntária
A relação de Girassol com a verdade desse reganho é mediada por uma estratégia de proteção: a cegueira voluntária. Ela chegou a comprar uma balança, na tentativa de ter controle. Mas o objeto, com seu julgamento frio e numérico, tornou-se insuportável. Hoje, a balança mora debaixo do guarda-roupa, escondida na sombra, muda.
Girassol prefere não saber. Ou melhor, ela prefere saber pelos outros sentidos. Ela se pesa "por fora", nos olhos da família que vigiam ("se aumenta um pouquinho, já falam"), ou no espelho de uma farmácia ocasional, onde o choque é pontual e não uma tortura diária. Evitar a balança não é negação pura; é uma tentativa de não deixar que o medo a paralise todos os dias ao acordar.
O Medo e a Sobrevivência
Porque o medo existe. E é grande. Quando ela percebe que o peso subiu, o sentimento não é apenas de vaidade ferida. É um alerta de sobrevivência. "Dá vontade de eliminar", ela diz. A palavra "eliminar" é forte. Revela o pavor de retornar ao ponto de partida, de perder a mobilidade e a saúde que conquistou a duras penas. O corpo dela, agora modificado, impõe limites físicos — o mal-estar ao comer doces, a necessidade de vitaminas —, mas a mente ainda luta para entender essa nova geografia.
"Só não pode aumentar."
Girassol não sonha com corpos inatingíveis. O futuro que ela desenha é modesto e realista, como costumam ser os desejos de quem já sofreu muito. Ela não quer ser modelo, ela quer "manter". O mantra dela é simples: "só não pode aumentar".
Sua história nos ensina sobre a dignidade de quem tenta se cuidar sem se punir excessivamente. Girassol nos mostra que, às vezes, esconder a balança debaixo do guarda-roupa não é covardia; é apenas o jeito possível de lidar com a realidade, um dia de cada vez, buscando saúde sem ter que encarar o fantasma dos números a cada manhã.