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A História de Cravo

O Esquecimento de Si e o Peso do Amor

Cravo carrega no corpo uma marca de tempo: uma cicatriz de 2011, de uma cirurgia aberta, que divide a sua vida em "antes" e "depois".

Há catorze anos, ele pesava 172 quilos. A decisão de operar não foi leve; foi uma batalha contra o medo e contra as vozes alheias, motivada por um fígado que pedia socorro e por exames que gritavam perigo. A cirurgia cumpriu a sua promessa inicial: Cravo viu o ponteiro da balança descer até aos 86 quilos. Metade dele desapareceu, revelando um homem que corria, que doava as roupas antigas e que acreditava, com a ingenuidade de quem vence uma batalha, que a guerra estava terminada.

Mas a vida, na sua complexidade, não para nos créditos finais de um "caso de sucesso".

A história do reganho de peso de Cravo — hoje de volta aos 128 quilos — não é uma história de gula desenfreada. É uma história de deslocamento de afeto e de prioridades.

O Peso do Amor

Após a fase de lua de mel com o corpo magro, a vida de Cravo foi inundada por um amor exigente: a chegada dos seus três filhos, todos por via da adoção. Quem conhece a burocracia e a carga emocional de um processo de adoção sabe que ele consome alma e recursos. Cravo, num gesto de nobreza silenciosa, desviou o olhar do seu próprio umbigo para olhar pelos seus meninos. O dinheiro do plano de saúde, o tempo da ginástica, a energia da vigilância alimentar — tudo foi canalizado para eles.

"Esqueci-me de mim."

Nessa frase curta mora toda a verdade do seu reganho. Diferente da obesidade da juventude, que era fruto de uma rotina prática e desregrada de estudante, o peso que voltou agora traz uma carga emocional densa. Ele voltou nos intervalos do trabalho sedentário no escritório de informática e na cooperativa, entre um salgadinho e um café social. Voltou no prazer da carne e da cerveja, usados como válvulas de escape para a ansiedade de um pai que sofre por antecipação, preocupado com o futuro financeiro e familiar. Voltou nas perdas familiares e no stresse silencioso de quem carrega o mundo às costas.

Cravo acreditava que a cirurgia lhe daria uma vantagem biológica eterna, que o corpo perdoaria os deslizes. Mas a biologia tem memória. O peso subiu sorrateiramente, 42 quilos recuperados, trazendo consigo a frustração e a vergonha. O momento em que a roupa deixou de servir não foi apenas um inconveniente estético; foi um golpe na identidade. As piadas voltaram, os olhares de julgamento regressaram, e Cravo chorou, sentindo-se falhar naquilo que parecia resolvido.

O Alerta Vermelho

No entanto, foi o medo, e não a vaidade, que o fez acordar. Um episódio recente de tensão arterial muito alta, misturado com uma gripe forte, acendeu o alerta vermelho. Naquele momento de fragilidade física, Cravo não pensou na estética; pensou nos três filhos. A ideia de os deixar sozinhos foi o motor que faltava.

Hoje, Cravo retoma o caminho do consultório médico. Não procura um "começo glorioso" nem a magreza de outrora. Ele procura apenas estar cá. Procura reequilibrar a balança entre o cuidado com os outros e o cuidado consigo mesmo, entendendo finalmente que, para ser o pai que os seus filhos precisam, ele precisa primeiro voltar a ser o protagonista da sua própria saúde.

Narrativa baseada em fatos reais.