A História de Antúrio
A Cirurgia na Cabeça e a Troca de Prazeres
A história de Antúrio não é sobre um homem que queria entrar num terno menor. É a história de um homem que queria ganhar tempo.
Durante anos, ele viveu uma negociação silenciosa com a obesidade. Começou na adolescência, aquela fase em que o corpo vira domínio público, e seguiu vida afora. Mas Antúrio nunca foi o estereótipo do homem escondido nas sombras. Ele era obeso, sim, mas também era o homem que dançava, que saía, que ocupava espaços. A vida social pulsava, enquanto, no privado, uma doença metabólica avançava. Havia procedimentos, medicações e medos que ele trancava no banheiro de casa para não assustar a família.
A decisão pela bariátrica foi tudo, menos impulsiva. Ele caminhou até a beira do abismo e recuou cinco vezes. "Eu desistia na última hora", ele conta. Foi preciso o luto por uma perda familiar e a dureza das palavras de uma médica de confiança para que ele entendesse: não era sobre ficar bonito, era sobre não morrer cedo.
Ele operou com 130 quilos, carregando a esperança de tirar a doença do centro de sua vida. E conseguiu. O peso caiu para os dois dígitos, a saúde respondeu. Mas a cirurgia bariátrica, como Antúrio descobriria, mexe com a anatomia, mas não negocia com a angústia.
A Troca de Prazeres
O reganho de peso de Antúrio, hoje oscilando na casa dos 106 quilos, narra um fenômeno fascinante e perigoso: a troca de prazeres.
O estômago, agora pequeno, impôs limites severos à comida. Aquele prato cheio, o churrasco sem fim, o excesso que anestesiava — tudo isso foi bloqueado fisicamente. Mas a necessidade humana de alívio, de prazer e de escape permaneceu intacta, procurando uma nova porta de entrada. Encontrou-a no álcool.
"Hoje eu não consigo comer como antes, mas eu consigo beber."
Antúrio descreve com uma lucidez impressionante. O álcool tornou-se o lubrificante social e emocional que a comida costumava ser. Ele percebeu que a bebida trazia uma falsa sensação de liberdade, desativando os freios que ele lutava para manter. E, diferentemente de outros pacientes que passam mal com qualquer deslize, o corpo de Antúrio aceitou essa troca sem rejeição imediata, o que tornou a armadilha ainda mais silenciosa.
Quem Cuida da Cabeça?
Mas o relato mais potente de Antúrio não está na balança, e sim na mente. Ele sente como se a cirurgia tivesse acontecido em sua cabeça, não apenas no estômago.
O pós-operatório trouxe uma voltagem nova e assustadora. Uma ansiedade elétrica tomou conta. O corpo manifestou essa tensão no sono: o bruxismo tornou-se tão violento que quebrava dentes, exigindo placas de proteção. A libido e a sexualidade entraram num terreno pantanoso, onde o prazer por vezes virou obrigação, e o álcool aparecia novamente como uma ferramenta para "conseguir estar lá".
Curiosamente, o reganho de peso não o fere no espelho. "Não me dói", ele diz. Ele não sofre pela estética perdida. O que o assombra é o fantasma da doença antiga. O medo dele é matemático e cruel: ficar com as limitações de um estômago operado e, ao mesmo tempo, ter de volta a doença metabólica que tentou extirpar. O medo de ter "dois problemas".
Hoje, Antúrio não faz planos grandiosos. Ele aprendeu que a vida se ganha em etapas curtas — chegar aos 50, depois aos 55. Ele iniciou o tratamento psiquiátrico, entendendo finalmente que a obesidade e o reganho não são apenas sobre o que se põe no prato ou no copo, mas sobre como se acalma uma mente que está sempre correndo.
Sua história deixa uma pergunta ecoando no ar, vital para todos nós: cuidamos do estômago, costuramos a pele, ajustamos as vitaminas... mas quem, afinal, cuida da cabeça de quem renasce em outro corpo?